A Defesa da Cultura
Livre e o Ganho Financeiro com a Produção Intelectual
Claudiomiro Machado
Ferreira
Resumo
Este
trabalho objetiva demonstrar que defensores do livre acesso à
cultura, ao conhecimento e à informação defendem este ideal por
não viverem de sua produção intelectual. Mostraremos que mudam seu
discurso quando se tornam autores ou estão a serviço,
direta ou indiretamente, de corporações com interesses
particulares. Outro ponto abordado é do Estado que se ausenta à sua
obrigação de melhorar as condições de sua população ou de
suprir suas necessidades quando esta não possui meios próprios.
Este Estado, quando usa a estratégia de apoiar pessoas ou
instituições que pregam o discurso da Cultura Livre, coloca em
risco a produção literária, musical e artística do Brasil.
Concluiremos que este conjunto de ações visa transformar o autor em
vilão ao ser remunerado pelo seu trabalho e coloca em risco a
estrutura de empresas fundamentais para a economia brasileira e que
trabalham para a divulgação da criação intelectual e cultural
brasileira.
Palavras-chave:
Propriedade
Intelectual. Direitos Autorais. Cultura Livre. Políticas Públicas.
Movimentos
Particulares. Manipulação Ideológica.
CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
À medida que o ser
humano envelhece é natural tornar-se mais crítico e analisar as
situações com mais maturidade. Assim, para ficar mais fácil de
entender, não surpreende que tente simplificar a visão que tem da
vida e de suas relações. Então, chegando a essa fase de maturidade
e pela necessidade de resumir para entender algumas coisas, começa a
criar uma lista do que a vida vem lhe ensinando. Inevitavelmente, uma
das conclusões a que chega é que quem cria as regras ou normas
quase nunca as segue.
* * *
Quando não são regras
ou normas, podem ser ideologias, como no caso da alemã Julia Schramm
(1985- ), blogueira que já foi considerada musa do Copyleft,
licença para a prática de distribuir cópias e modificar versões
de um trabalho,
e integrante da direção nacional do Partido Pirata, fundado em 2006
na Suécia por Rickard Falkvinge (1972- ), que defende reforma nas
leis de patentes e direitos autorais, livre compartilhamento de
conhecimento e liberdade de acesso à informação.
Segundo a Revista Carta
Capital,
Julia sempre defendeu usuários comuns da “máfia do conteúdo” e
descreveu o conceito da propriedade intelectual, que segundo a
Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI é a soma
dos direitos relativos e inerentes à atividade intelectual nos
campos industrial, científico, literário e artístico,
como algo “nojento”. Mas isso mudou depois que Schramm publicou
seu livro “Clique-me: Confissões de uma exibicionista da
internet”, pela editora Random
House.
Para assinar o contrato Julia recebeu um adiantamento de 100 mil
euros e cedeu todos os direitos à editora. Isso significa, entre
outras coisas, que ela não pode compartilhar o texto na internet,
uma das principais características do Copyleft.
Até a cópia digital do livro, disponibilizada pelo Partido Pirata,
foi retirada da rede, segundo a revista, pela editora, mas a pedido
da autora.
Já em países de língua
inglesa a surpresa, para quem olha com mais cuidado, fica por conta
do discurso de Marcus Boon (?- ), professor de Literatura Inglesa e
do Pensamento Político e Social, da Universidade de Toronto, no
Canadá. Ele escreveu o livro “Elogio à Cópia” (In
Praise of Copying,
ainda sem tradução no Brasil), onde, segundo a Revista Galileu,
defende que a cópia nunca foi tão poderosa quanto é hoje, na era
digital; que não podemos parar esse fenômeno, em função do
desenvolvimento tecnológico disponível e que quanto mais gente
tiver acesso à informação e cultura, mais haverá democracia no
mundo. Mesmo assim, Boon acredita “em um tipo de socialismo que se
tornará possível com uma tecnologia mais acessível”.
Boon crê que a cópia
não beneficia pequenos escritores; apesar de, por outro lado,
acreditar que às grandes corporações, sim. Diz que tendo acesso à
cópia digital a pessoa comprará o livro impresso, se gostar do
conteúdo. Diz ainda que pode imaginar outro sistema econômico em
que tudo pode ser público, mas não especifica quem pagará por
isso. Apenas dá uma pista quando diz que acredita no
compartilhamento gratuito de informações, como o existente nas
bibliotecas. Aqui, infelizmente, ele parece ter esquecido que tudo
tem um custo. Além disso, a questão é que nesses locais a ação
fica por parte do governo ou, como bem sabemos, muito mais por parte
do cidadão, contribua conscientemente para isso ou não.
Mesmo que se tente
destacar seu objetivo sócio-cultural, as bibliotecas são um
prejuízo à editoras, livrarias e escritores, ainda que nenhum
destes assuma isto abertamente, sob o risco de serem considerados
capitalistas selvagens ou inimigos da cultura. A verdade é que não
há como dizer que um ou mais exemplares disponíveis em uma
biblioteca, e os quais, no mínimo, umas vinte pessoas ou mais podem
ler, seja bom para o autor. Ainda que se use o argumento que se uma
pessoa ler e gostar irá comprar, a possibilidade de duas ou três
pessoas fazerem isso é o máximo que pode acontecer. A solução
diplomática encontrada foi aceitar que o número de exemplares
possível de se encontrar em bibliotecas poderia ser uma forma de
divulgação salutar à obra. Enfim, um prejuízo aceitável para o
autor e editora. Prejuízo que, se aceito como tal, foi
potencializado pela reprografia mecânica em casas especializadas e
mesmo em escolas e universidades.
Uma visão sucinta apesar
de realista e já problemática do aumento de cópias ilegais foi
apresentado pela bibliotecária May Brooking Negrão (?- ) em seu
texto “A Reprografia nas Bibliotecas e o Direito Autoral”,
publicado em 1978 na Revista Brasileira de Biblioteconomia e
Documentação – RBBD.
Seu estudo não contemplava o advento da internet, mas pelo que
podemos ver a situação não só piorou como tornou-se quase
impossível pensar em uma forma de controlar o que é disponibilizado
na rede mundial de computadores.
No Brasil o
questionamento fica por conta das ideias defendidas e práticas
realizadas por Ronaldo Lemos (1976- ), professor titular e
coordenador da área de propriedade intelectual da Escola de Direito
da Fundação Getúlio Vargas – FGV, no Rio de Janeiro, e diretor
do Centro de Tecnologia e Sociedade da mesma Fundação. Ronaldo
Lemos também é diretor do projeto Creative
Commons
no Brasil e coordenador dos projetos Access
to Knowledge
(Acesso ao Conhecimento) Brasil, Cultura Livre e Open
Business.
Em seu livro, “Direito, Tecnologia e Cultura”,
licenciado por uma licença Creative
Commons
e disponibilizado na internet, ele não permite que alguém o use com
finalidades comerciais, quer dizer, se ele não vai lucrar, que
ninguém mais lucre. Também informa que deve ser dado crédito ao
autor original, mas neste ponto há consenso, pois direito moral é
algo reconhecido universalmente e necessário para fins de
identificação e atribuição de responsabilidades, se necessário.
A estranheza está na
postura adotada em relação a outro livro seu, “Futuros
Possíveis”,
editado pela Sulina. No expediente deste trabalho encontramos o
tradicional símbolo de Copyright,
seu nome e o ano, 2012. E, pasmem, este trabalho é comercializado.
Sim, quem quiser ter acesso à obra precisará pagar por ele, apesar
de também ser licenciado pela licença Creative
Commons
e mostrar atribuições de “NãoComercial” e “CompartilhaIgual”.
Assim como a alemã Julia Schramm, seu autor está lucrando, ou, pelo
menos, permitindo que a editora lucre com a 1ª edição já que, no
mesmo expediente, lemos que todos os direitos da edição são
reservados à Editora Meridional Ltda. Questionados do porquê dessa
postura ou de onde estaria disponibilizado o livro, nem autor ou
editora se manifestaram.
Sobre “Futuros
Possíveis”, Juremir Machado da Silva (1962- ), em seu artigo “Para
onde vamos na velocidade da internet?”,
escreveu bons comentários sobre a obra e as intenções de Ronaldo
Lemos, mas por ser membro do conselho editorial da Sulina não toca
na questão que levantamos.
Juremir, nesse caso, fica do lado das editoras e dos autores,
defendendo seu direito de lucrar, e é coerente em sua postura.
Perfeito. Esta é a mesma posição que ele defendeu em sua palestra
na Feira do Livro da Universidade Federal de Rio Grande/RS – FURG,
quando respondendo à nossa pergunta sobre sua experiência na área
de direitos autorais disse que “boa parte das editoras é pequena.
Elas mal sobrevivem. Criam empregos. Gastam. Querem retorno”.
Assim como o livro de
Ronaldo Lemos, “Direito, Tecnologia e Cultura”, uma das versões
do livro de Marcus Boon, que é uma defesa à cópia, apesar de, com
alguma dificuldade, poder ser encontrado na internet,
também traz o símbolo de Copyright.
Só que nesse caso, este não é atribuído ao autor, mas ao
President
and Fellows of Harvard College,
ressaltado ainda com todas as letras: All
rights reserved
(Todos os direitos reservados). Pasmem novamente, pois este trabalho
é comercializado pela Harvard
University Press
pelo preço de U$16,95 dólares, no formato PAPERBACK (Brochura), e
por U$25,95, no formato HARDCOVER (Capa dura).
Isso mesmo, temos aí um livro que defende a cópia livre, mas que
para se ter acesso a ele é necessário pagar.
Como representante
institucional da luta em favor de solidificar a ideia de que tudo o
que é produzido deve ser liberado temos a já citada Fundação
Getúlio Vargas – FGV. O argumento de que a atual lei de direitos
autorais é injusta, atrasada, inflexível e restritiva é a
principal ferramenta usada por alguns de seus representantes. Sendo
isso feito em entrevistas; reportagens; trabalhos acadêmicos;
cursos, como o de “Direitos Autorais e Sociedade”,
e palestras, como a que aconteceu no StudioClio, em Porto Alegre/RS.
Nela o Professor Pedro Paranaguá apresentou RIP:
a Remix Manifesto
(2009),
do cineasta e cyberativista Brett Gaylor (1977- ), um documentário
realizado com o único objetivo de justificar a mixagem de trechos de
outras músicas como forma de produção cultural (sem que nada seja
pago aos detentores dos direitos autorais) e que isso é bom para
divulgação de cultura. Mas o acesso ao evento não foi gratuito,
custou para cada participante R$30,00.
Em nível internacional
temos a Organização Não Governamental Consumers
International.
A frase de destaque do seu site
é “A Voz Global dos Consumidores”, mas deveria ser: “Morram
autores, vocês são todos uns bandidos!!!”. Isso pode parecer
exagerado, mas não é. Principalmente depois de lermos em um de seus
relatórios a infame pergunta: “Que tipo de PUNIÇÃO recebe o
proprietário dos direitos autorais que INTERFERE nos direitos do
consumidor a ponto de impedi-lo de fazer uma cópia para back-up
ou para estudo?”. Infelizmente a postura infame e vil continua na
resposta: “[...] Não há qualquer SANÇÃO ao proprietário dos
direitos autorais”.
Então é isso, para o Consumers
International
o problema é o autor, o primeiro elo na cadeia produtiva literária
e intelectual.
O mote usado para quem
defende o acesso a tudo sem pagar e que está colocando em perigo o
futuro da criação literária e da produção intelectual é que
acesso à cultura e à educação é um direito de todos. Mas esse
acesso não pode se dar violando direitos básicos e fundamentais,
como o visto no Artigo
5º, em seu inciso XXVII quando lemos que “aos autores pertence o
direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
Também não pode se dar sem as devidas responsabilidades já que
temos no Artigo 205 que “a educação, direito de todos e DEVER DO
ESTADO (grifo nosso) e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. Mais adiante no artigo 215, lemos ainda que “o
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais.”
Já
Guilherme Varella (?-
),
advogado do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC, em vídeo institucional
produzido pela BUSTV,
defende o direito à cópia de livros como sendo um direito de
consumidor. Apesar de citar um preceito legal que permite isso, não
especifica que a lei diz que a reprodução é permitida “para uso
privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”.
Alega que há uma permissão porque o direito à educação é
direito de todos e complementa argumentando que: “O livro é muito
caro no Brasil. Acaba sento a ÚNICA (grifo nosso) alternativa para
MILHÕES (maximização dele) de estudantes xerocar os capítulos dos
livros para seu estudo.” Porém, se tomarmos como válida a sua
proposição de que o livro é caro e por isso poderíamos fazer
cópias dele, então teríamos de aceitar que qualquer coisa
considerada “cara” poderia ser obtida de forma ilícita ou
ilegal, apenas pelo uso deste argumento.
O que menos ouvimos ou
vemos é uma cobrança, perfeitamente lícita, de que professores
expliquem de fato a matéria em aula, em vez de deixar no xerox da
instituição uma cópia do capítulo para que os alunos o
reproduzam. Varella continua e diz que copiar não é crime, defende
que é através da cópia que o conhecimento se reproduz se difunde e
que isso é importante para a democratização da educação e da
cultura. Ele insiste em dizer que não podemos desrespeitar os
direitos dos autores e reafirma que xerocar é permitido, que os
estabelecimentos que tiram cópias são legalizados e que ninguém
pode proibir de tirar xerox de livros universitários ou quaisquer
que sejam. Porém, não diz que estes ambientes são liberados para
fazer cópias de documentos em geral e não para descumprir a lei que
protege os direitos dos autores. Também não explica, neste caso, o
que é contrafação, ou seja, a reprodução não autorizada e não
fala da cláusula pétrea da Constituição Federal que dá no Art.
5º, inciso XXVII, direito exclusivo ao autor de reprodução de suas
obras.
Se Varella está certo em
dizer que é permitido tirar xerox de livros universitários, teremos
de tomar como arbitrária a ação da polícia na Escola de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas isso não é
verdade porque o Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas –
CFCH, Marcelo Corrêa e Castro (?- ) fala na reportagem de Alyssa
Gomes (?- )
sobre o mandado pelo qual a ação foi praticada pelos agentes, que
recolheram cópias e fecharam o local onde elas eram feitas. O
manifesto dos estudantes da Faculdade e seus gritos de “educação
não é mercadoria” somam-se ao lema “conhecimento não é
mercadoria”, de Rickard Falkvinge, quando palestrou no 13º Fórum
do Software Livre em Porto Alegre/RS.
O que a reportagem não aborda, e pouca gente sabe, é que uma
instituição de ensino, para poder cobrar, precisa disponibilizar um
número mínimo de exemplares em função da quantidade de estudantes
do curso.
Então, demonizar o autor
e jogar toda a culpa pela dificuldade de acesso à cultura em cima
dele não é a solução. Atacá-lo ou tirar dele o seu direito, como
prevê a lei, à sua obra, enquanto resultado do seu trabalho, tempo
e energia, não resolverá o problema. Todos esses defensores do
acesso à cultura e ao conhecimento e de direitos do consumidor erram
o alvo quando agem da maneira com que estão conduzindo suas
ideologias. O que precisa ser destacado é que as pessoas precisam
ter seu poder aquisitivo aumentado. É preciso que se tenha mais
poder de compra. Isso sim resolveria o problema. Assim, iria-se mais
ao cinema, ao teatro, compraria-se mais livros e, de fato, poderia
ter-se mais acesso à cultura e ao conhecimento.
Outra alternativa
coerente é reduzir os valores dos veículos da informação ou
cultura. Ingressos mais baratos levariam mais pessoas aos lugares e
livros mais baratos fariam as pessoas lerem mais. Assim, também o
autor seria beneficiado. Como bem disse Juremir Machado da Silva: “Eu
preferiria vender 1 milhão de livros a R$1,00. Estaria muito bom
para mim”.
Mas se aumentar o padrão de vida da população e suprir as suas
necessidades quando ela não tem condições é um problema para o
governo, é extremamente cômodo que instituições como essas
levantem tais bandeiras ideológicas, iludindo e manipulando a
sociedade e tirando dos governos a sua responsabilidade. Para quem
acredita que a criação de um vale cultura é um bom recurso, ele
será de R$50,00 por mês
e, além de ser uma medíocre extensão do Programa Bolsa Família, é
um arremedo de solução, parecendo mais uma esmola oferecida.
Assim como alega Mark
Helprin (1947- ),
escritor norte americano que vive exclusivamente do dinheiro que
recebe com a venda de seus livros, quando diz que o Creative
Commons
tem diversas faces, o mesmo poderia ser dito da Fundação Getúlio
Vargas – FGV. Para Helprin o Creative
Commons
é “um grupo de interesse a serviço das superpotências da era da
informação [...], a quem não interessa pedir permissão pelo uso
de uma obra nem se preocupar em pagar pelo que eles chamam de
‘conteúdo’. Elas terão lucro com o fim do direito autoral”.
Afirma ainda que “Lessig e o Creative
Commons
são amplamente financiados por grupos cujo interesse seria ver o
direito autoral enfraquecido, reduzido ou até mesmo abolido”. Ele
cita como exemplo o Google,
dizendo que o Creative
Commons
recebe uma montanha de dinheiro dele e de outras superpotências
emergentes da internet. Assim, todas se beneficiariam se não
precisassem se preocupar com o direito autoral. E alerta que
enfraquecendo ou abolindo o direito autoral não haverá mais
incentivo para alguém criar ‘conteúdo’. E que sem ele, iPods,
iPhones,
o Google
e todas as coisas que são aplaudidas como maravilhas tecnológicas
não passariam de lixo inútil.
O Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor – IDEC, membro pleno da Consumers
International,
é uma associação que diz não possuir fins lucrativos e ser
independente de empresas, governos ou partidos políticos, mas edita
uma revista e a vende. Também tem uma loja virtual, que está em
manutenção, e se mantém pedindo contribuições de qualquer valor
para manter a sua independência.
Não encontramos livros escritos por Guilherme Varella, mas não
acreditamos que ele preste seus serviços sem receber nada por isso.
E, se os livros “Comentários a Lei de Imprensa”, disponível no
site
da Livraria Cultura
por R$117,00, e “Três dimensões do cinema - economia, direitos
autorais e tecnologia”, este em parceria com Ronaldo Lemos, à
venda na livraria virtual Relativa.com.br
por R$29,00, forem do mesmo Carlos Affonso Pereira de Souza (?- ),
coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio
Vargas – FGV, então, definitivamente algo não está certo aí.
Afinal, querem eles que os autores vivam de quê? De esmolas nós
sabemos que eles não querem viver.
Em uma entrevista
Guilherme Varella disse que o Plano Nacional de Cultura – PNC, a
Lei nº12.343/2010, prevê a reforma da lei de direitos autorais para
garantir o pleno acesso à cultura. Também disse que a ex-ministra
Ana de Hollanda (1948- ) fez afirmações confusas e equivocadas
sobre seu conceito dos direitos autorais, das licenças Creative
Commons
e que ela desrespeitou o Plano Nacional de Cultura – PNC. O que ele
não disse é que a lei prevê o EQUILÍBRIO (grifo nosso) entre
o respeito aos direitos autorais e à ampliação do acesso à
cultura.
É
uma pena que ele não tenha demonstrado a parte equilibrada e
coerente da resposta que ela deu à Revista Carta Capital
sobre o tema. Seu questionamento é semelhante ao de Mark Helprin
quando pergunta de quê viverá o criador se ele perder o direito a
receber pelo seu trabalho. Ela vê esse ofício e dedicação como
uma profissão e coerentemente lembra que internautas pagam pelos
provedores, softwares e telefônicas que permitem baixar conteúdos,
mas não querem pagar a quem o produz. Ela também é da opinião que
há uma campanha para satanizar o autor e torná-lo o inimigo público
nº1 do cidadão e defende que no momento em que se liberar as obras
compulsoriamente, deixaria de haver interesse em produzir. Assim,
estaria em jogo a futura produção cultural do Brasil e ele perderia
um patrimônio rico e cobiçado, que é o da criação em suas
diferentes formas.
Ana
de Hollanda é uma artista e produtora. Em seu site
alega que o grande compromisso da sua gestão foi o de defender a
sustentabilidade da produção cultural. Acrescenta ainda que estamos
assistindo, em tempo de megadisputas e transações de conteúdos
entre os provedores, sites
de buscas e softwares,
uma violenta campanha, através de seus representantes oficiais ou
não, pelo afrouxamento do controle dos direitos autorais. Uma
campanha que seduz jovens, inocentes úteis usuários da internet,
atiçando esse público potencial contra criadores. Ela chama a isso
de um “verdadeiro bullying
virtual” e que ele tem vitimado e inibido centenas de artistas.
Essas parecem palavras confusas e equivocadas como alegou Varella?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo isso que foi
apresentado fica claro que os defensores da Cultura Livre se utilizam
desta ideologia, apoiados por grandes corporações que precisam de
conteúdo e pela massa que também se beneficia com a livre
circulação de informação. O que fica obscurecido é que o sistema
de direito autoral usado no Brasil é baseado no Droit d’Auter
Francês, usado também por países como Itália, Espanha, Portugal,
Argentina e outros, como afirma o professor Morato, em seu Curso de
Direito Autoral, e que esta legislação prioriza o autor, diferente
do sistema anglo-americano, que prioriza o patrimônio.
O sistema atual levou muito tempo e estudo para se consolidar e os
idealizadores dos movimentos citados são, fundamentalmente,
norte-americanos. Os propagadores de suas ideias desejam implantar
seus ideais sem muitas vezes levar em conta que é preciso respeitar
o que já existe e funciona. É preciso levar em conta aspectos
característicos de nossa cultura, mercado e necessidades. Impor
sistemas importados já não funcionou com a educação, com a
economia e não funcionará com os direitos autorais.
Para os que querem usar a
criação dos outros, podemos citar o cantor e compositor Renato
Russo (1960-1999), que já disse em uma de suas músicas, “Ora, se
você quiser se divertir invente suas próprias canções”
e é preciso que fique bem claro, como disse o economista Milton
Friedman (1912-2006): “Não existe almoço grátis”. Em suma, ou
alguém paga ou alguém perde. Nesse caso o risco é de toda a cadeia
produtiva intelectual: autores, editoras, gráficas, distribuidoras,
livrarias, leitores e até mesmo o Governo, que terá sua arrecadação
ameaçada. Não haverá mais produção intelectual se autores não
receberem pelo seu trabalho. O cidadão brasileiro, em seu processo
natural de amadurecimento e necessidade de resumir para entender, não
precisa mais ter dúvidas, terá de colocar mais este item em sua
lista: Quem prega ideologias está tentando dominar e usar alguém ou
está sendo usado. Então, ele deve fazer um favor a si e à sua
nação e tomar cuidado. Deve prestar atenção nos discursos que são
pregados, em seus recursos e linguagens, e sempre conhecer os dois
lados.
Os defensores do livre
acesso à cultura, ao conhecimento e à informação defendem este
ideal por não viverem de sua produção intelectual. Eles mudam seu
discurso quando se tornam autores ou estão a serviço, direta ou
indiretamente, de corporações com interesses particulares. O Estado
se ausenta à sua obrigação de melhorar as condições de sua
população ou de suprir suas necessidades quando esta não possui
meios próprios. Este mesmo Estado, quando usa a estratégia de
apoiar pessoas ou instituições que pregam o discurso da Cultura
Livre, coloca em risco a produção literária, musical e artística
do Brasil. Este conjunto de ações visa transformar o autor em vilão
ao ser remunerado pelo seu trabalho e coloca em risco a estrutura de
empresas fundamentais para a economia brasileira e que trabalham para
a divulgação da criação intelectual e cultural brasileira.
NOTAS
Consultor, assessor e
palestrante na área de direitos autorais e registro de obras.
Publicou a tradução “História da Liberdade de Pensamento”
pela Editora da UFPel/RS, escreveu o livro “Figuras & Vícios
de Linguagem” e o texto “As Bibliotecas Públicas Municipais e a
Administração Pública Direta”. Edita o blog “Direitos
Autorais e Registro de Obras”, acessível em
http://direitosautoraiseregistrodeobras.blogspot.com.
E-mail: claudiomiromafe@ig.com.br.